ESTAÇÕES
Estação. Palavra que encerra múltiplos significados, cada um deles viajando entre o duplo sentido da passagem ou paragem do tempo e a passagem ou paragem no espaço.
No sentido amplo desta significação, poderíamos talvez dizer que a fotografia é uma espécie de estação visual, em que se exploram os limites ou a ausência de limites do tempo e do espaço e, por vezes, de emoções e sensações reais ou imaginadas, vividas no presente do momento fotográfico ou lembradas por outros que não as viveram, com mais ou menos interesses sobre formalismos estético-artísticos. A palavra escolhida para dar título a esta exposição colectiva, que reúne trabalhos cedidos por alguns dos artistas visuais que já passaram pelas galerias da Cooperativa de Comunicação e Cultura e estão agora conservados na sua Fototeca, serve também de metáfora à ideia e finalidade de um arquivo, lugar que compila vários espaços e diferentes tempos, ora físicos, ora imateriais por pertencerem ao domínio das memórias pessoais ou alheias, individuais ou colectivas, íntimas ou quotidianas, públicas ou privadas... No fundo, pedaços de modos de vida, experiências humanas e práticas culturais, fixados num momento que continuou e num local que se transformou para além da imobilidade e carácter fragmentário da fotografia e do próprio arquivo em que esta repousa e ganha outra vida.
Recordar e registar tempos felizes que já não voltam mas ficam assim na memória abstracta e visual, ou ter esperança e imaginar os que ainda estão por vir. Tentar encontrar algo novo no que já é passado e fixar esse momento, ou procurar a novidade desejada e necessária daquilo que ainda virá e não foi, por enquanto, fotografado. Estamos, pois, perante a ambivalência e estado de indecisão e imprecisão próprios de processos que, ainda que científicos no que respeita a técnica, são sobretudo subjectivos e artísticos, requerendo um cunho pessoal e uma "alma fotográfica". Esse leque de ambiguidades e dualidades acresce tanto mais quanto maior for o número de perspectivas, modus operandi e temas específicos que observamos nesta que é uma exposição colectiva, diversa e plural.
Como denominadores comuns, encontramos quase sempre aqui a urgência do carpe diem ou, mais exactamente, a vontade-necessidade de "agarrar o momento", conservá-lo e mostrá-lo, guardar uma estação, real ou metafórica, no espaço limitado bidimensional da imagem fotográfica. Este percurso faz-se por meio de confrontos entre conceitos muitas vezes duais, desde o binómio da estranheza e da (estranha) familiaridade que se experimenta num sítio onde se é estrangeiro - "ein moment bitte", Luís Farrolas -; a cultura digital vs. cultura popular, a memória nostálgica vs. espaço performativo do presente e a rua vs. interior privado (daí entrevisto), observável em "à mão e à máquina" de Adriana Freire; aos binómios seriedade-frivolidade, arte-vida e sagrado-profano presentes no trabalho de Pedro Sousa Vieira; a paragem no tempo vs. passagem do tempo e o diálogo entre silêncio e vida intuído na "still life" que uma fotografia pode ser ("Dias Úteis", Catarina Botelho); o fim como princípio da fotografia, o questionamento sobre a indefinição do tempo no lapso ou descoincidência que uma imagem pode constituir e a procura da infinitude do espaço - "Viagem ao Fim", Valter Ventura; entre muitos outros.
"Estações" serve, finalmente, como prova dos crescentes interesse, valorização e investigação laboratorial na área da Fotografia e Cultura Visual, que têm pautado a Cooperativa de Comunicação e Cultura desde verdes anos e tiveram forte expressão na transição da antiga pequena câmara escura do Centro de Cultura Contemporânea para o actual e mais recente edifício autónomo e especializado Câmara Escura, em cuja galeria se apresentam algumas das estações visuais que compõem a memória cultural, artística e fotográfica desta instituição.
texto de Inês Joaquim, abril 2017
