É possível dizer que este espectáculo é uma ópera cinematográfica, uma travessia por lugares em que o esquecimento não é possível. É possível afirmar que se trata de uma tarefa militar com uma exigência técnica que se pretende de um ballet, mas sem a rigidez típica dessa arte. Os corpos estão dispersos, as vozes estão sempre sobrepostas, como se fosse uma revolução de monstros, de corpos a quem negaram o amor, a infância. A podridão de uma sociedade expressa num ataque sinfónico de vozes que repetem sete vezes sete cenas em sete lugares em apenas sete minutos porque já ninguém tem tempo e a informação é sempre cuspida, amontoada, é quase lixo. Não se trata de discurso político. É um discurso não de loucos, mas de solitários. Eternos solitários numa insatisfação dos lugares. Tudo é transição, nada é permanente, construções efémeras condenadas à destruição e ao ruído. A poética do ruído como o único lugar possível de comunicação em tempos sombrios. Não consigo parar de imaginar pavões tristes à chuva, etiquetas e cunhas, copiadores medíocres das ideias dos outros, gente excessivamente enérgica à custa de bebidas enlatadas. Desconfio sempre de pessoas excessivamente simpáticas e tenho horror às que dizem que não têm problemas, as vítimas que se canonizam correm sempre o risco de serem os novos ditadores. Revelar as palavras de monstros é uma tentativa de se construir uma nova memória. Destruir a ideia de história, desfazer a carne, a pele, ver o sangue desaparecer e ficarem apenas os ossos. O esqueleto. Escrevo este texto às 04:51, a poucos, muito poucos dias da estreia e eles continuam ali a construir mais uma paisagem e a relembrarem-me de uma das características que identifico no meu trabalho a resistência e a capacidade de permanecer, a confiança em algo que pode sempre correr muito mal. E este é o grande tema do meu trabalho: o elogio do impossível. Tenho uma admiração pelos últimos, por aqueles que ficam. Por isso não posso deixar de elogiar os corpos da Alexandra, da Rita, da Carolina, do Pedro, da Xana, da Susana, da Teresa, da Beatriz, da Raquel, da Bárbara, do Nuno, da Paula. Elogio estas pessoas que foram ponto de partida de um processo de pesquisa que culminará num espectáculo com um texto da minha autoria, cuja ideia base é alguém que ama incondicionalmente o Ricardo III. Tiago Vieira ELENCO: Alexandra Ferreira, Bárbara Bruno, Beatriz Godinho, Carolina Lobato, Nuno Pinheiro, Paula Moreira, Pedro Parente, Raquel Veloso, Rita Rocha Silva, Susana Oliveira,Teresa Machado e Xana Lagusi. APOIO TÉCNICO: Luis Gomes 4,5 e 6 de Dezembro às 21h LUGARES MUITO LIMITADOS RESERVAS latoaria.do.monte@gmail.com