Ciclo A Volta ao Mundo em 80 Riots 2019 foi um ano de revoltas um pouco por todo o mundo, com motivos e horizontes imediatos tão variados quanto a sua dispersão geográfica. Da luta pela democracia em Hong Kong à resistência, e depois ataque, ao neo-liberalismo no Chile, passando pela falência de um estado corrupto no Líbano ou as tensões políticas e raciais nos Estados Unidos, as televisões e jornais fizeram inúmeras notícias desta desordem generalizada, uma guerra civil mundial com diferentes palcos e protagonistas. Era este o contexto no início de 2020 quando em fevereiro o covid19 se deu a conhecer e foi declarada a situação de pandemia com o confinamento e outras medidas de controlo sanitário implementadas. Embora muito do que era o nosso quotidiano tenha mudado, muita coisa se manteve e não foi com espanto que se assistiu ao regresso das manifestações e dos motins com o agudizar de problemas variados, antigos e novos, e a incapacidade - ou falta de vontade - dos governos em responder às necessidades de largos sectores das populações. Procurando recuperar a prática de debates no RDA e a reflexão colectiva que os mesmos proporcionam decidimos iniciar um ciclo de conversas dedicado a mapear e perceber este novo trajecto da revolta, começando pelo que está a acontecer nos Estados Unidos. Tendo em conta a situação de emergência sanitária em que ainda nos encontramos, o espaço interior do RDA será limitado mas estamos a preparar-nos para transmitir o som e a imagem para o exterior. **** Capítulo I - Carta de um estado cambaleante - Conversa com Jasper Bernes (ex-editor da revista Commune, autor de um texto recente à volta destas questões) O assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis desencadeou um ciclo de lutas que se por um lado veio espelhar as revoltas contemporâneas que em 2019 explodiram em vários pontos do globo, por outro apresentou várias condições particulares. Para lá das suas expressões mediáticas, a dimensão proto-insurrecional das revoltas, inédita desde 1968, inscreveu-se numa aparente tempestade perfeita: as consequências sócio-económicas da pandemia global, as eleições presidenciais, a decomposição das instituições soberanas, as populações fortemente armadas, etc. A revolta, embora multiracial, foi no entanto conduzida pela emergência de uma subjectividade racializada e revolucionária que colocou em causa todos os dispositivos estatais e não-estatais de gestão do racismo inscrito na fundação da sociedade norte-americana. Os Estados Unidos, aparente baluarte de uma ordem política global, parecem quebrar-se por todos os cantos. De um lado um poder soberano que parece querer destruir o estado por dentro, por outro a emergência de mil e uma lutas autónomas que o parecem querer destruir por fora.