15:00 até às 01:00
Roda da Fortuna - João Alves

Roda da Fortuna - João Alves

JOÃO ALVES
RODA DA FORTUNA / WHEEL OF FORTUNE
3/3>31/5 2018

Galeria Cruzes Canhoto
Rua Miguel Bombarda, 452, Porto

[A abertura da exposição das 33 obras será no dia 3 do 3 às 3 horas da tarde]

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PT
“Criativo obsessivo desde 2000, pintor de bolso e de mural, músico cheio de filmes, engenheiro de som e de engenhocas, personagem em 2 filmes, ilustrador amnésico, formador e formando de presidiários, jardineiro de poetas e entre outras actividades inclassificáveis também membro dos colectivos Arara, Faca Monstro e Marvellous Tone.”

[João Alves, n. 1983, Porto]
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ENG
“Obsessive creative since 2000, pocket and mural painter, musician full of films, sound and gadget engineer, character in 2 movies, amnesiac illustrator, trainer and trainee of prisoners, gardener of poets and among other unclassifiable activities also member of the collectives Arara, Faca Monstro and Marvellous Tone."

[João Alves, b. 1983, Porto]


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Sobre o artista e esta exposição, dois textos de duas pessoas que com ele convivem e colaboram assiduamente: Saguenail e Cecília de Fátima.

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As Mitologias na Lixeira

João Alves não é um pintor «naïf». Ao passar pelas Belas-Artes, precisou – segundo um percurso estruturalmente semelhante ao de um Picasso (salvaguardadas as óbvias diferenças de época e estilo), com quem tem em comum a facilidade em desenhar e a rapidez em executar – de desaprender a cópia do visível a fim de ressuscitar a criança que trazia escondida em si e tornar-se «primitivo». Os quadros de João Alves não procuram reproduzir o real mas antes propor uma figuração simbólica desse real, conforme o modelo das iluminuras da Idade Média. Se quisermos atribuir-lhe uma filiação, João Alves situa-se, consciente e cientemente, na linhagem de Jerónimo Bosch e, mais perto de nós, James Ensor, ou ainda Jacob Lawrence. Dessa matriz conserva tanto a faceta moralista – um dos seus trípticos tem como título «aparição do mal», outro «homem dividido» – e a vertente paródica – a sua «selva» é simultaneamente uma homenagem e uma irrisão em relação àquelas que o Douanier Rousseau pintou – quando não carnavalesca – de «cada cobra seu veneno» à «dancemania», passando por «dia a dia» e «torre das profissões». Impossível distinguir o paraíso do inferno, o presente do passado – o painel central do «tríptico dos Poveiros» apresenta um fundo de colinas indefinidas e intemporais, quase reduzidas a vagas, enquanto os painéis laterais ostentam aglomerações de torres típicas da arquitectura urbana contemporânea – ou até mesmo o humano do animal: tanto no já citado tríptico como no quadro intitulado «reptiliano no arredas» aparecem homens-pássaros, providos de bicos. Na sua revisitação da história da pintura, o João também foi buscar alimento à iconografia surrealista, de Max Ernst a Victor Brauner, sem contudo deixar intervir no seu trabalho o «ditado do inconsciente». As suas telas são frequentemente superpovoadas – nada a ver todavia com Hans Jürgen Press ou Martin Handford – a ponto de vermos os corpos, como em «torre das profissões», interpenetrarem-se e atravessarem-se. A maior parte deles está nua: João Alves pinta um apocalipse que se prolonga no tempo desde a aparição do primeiro homem. Quando as figuras não são paródicas – «selva» (já mencionada), «roda da fortuna», «detonador mundis» ou «peixe roubado» (estes três últimos remetem directamente para as vinhetas medievas de Bosch) – e convivem em número suficientemente limitado para que o olho não se perca na tarefa de as detectar e detalhar, amiúde há uma construção simbólica para a qual as personagens se dirigem: a «cidadela» assemelha-se a um templo, tal como o edifício ao fundo de «hora do nó», os arcos da «passagem» formam uma porta ou um túnel luminoso. A personagem tem de enfrentar uma prova. Quando as figuras formam multidão, há um combate ou uma guerra em curso, que pode ter contornos orgíacos. O conjunto das composições de João Alves apresenta-se como uma actualização do «Livro dos Mortos» tal como podemos vê-lo desdobrar-se e cobrir as paredes dos túmulos egípcios. Reconstituem um além muito swedenborgiano, tão estranho quanto familiar – que corresponde muito precisamente ao intraduzível «unheimlich» freudiano –, onde criaturas antropomórficas – os nossos «irmãos» – circulam, perdidas. Monstros benevolentes – serpentes policéfalas, pavões gigantescos – ladeiam a estrada indicando-nos o caminho certo. Mas para tirar bom partido dos seus conselhos, seria preciso estarmos dentro do quadro e não a olhá-lo de fora.

[Saguenail, Fevereiro de 2018]

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Labirintho da Inconsciência

Segundo a lógica, a porta de entrada dirige-nos a um espaço que termina assim que atravessada a porta de saída. Mais trivialmente, a mesma porta tem dupla função: tanto serve para entrar como para sair. Para se aceder ao mundo concebido à imagem e semelhança de João Alves entra-se directamente pela porta de saída. 
É um universo animado pelo quotidiano e os costumes de seres de corpos e almas ambiguamente ectotérmicos-ovipários-aeroespaciais (todos do domínio taxonómico Eukariota); peregrinos de solos férteis em pousio e migrantes para além da troposfera e da mesosfera; por quase humanos e eventualmente por um Homem e às vezes uma Mulher; por anjos caídos divertidos com a sua própria atracção pelo Caos, pela Mãe Lua e pelo Pai Sol e demais Astros Irmãos, deste Cosmos e de Outros. 
São apontamentos da intemporalidade da condição humana deste mundo nosso, a pinceladas acrílicas mais ou menos toscas, naquele jeito naïf aparentemente controlado, através de símbolos e formas que por tradição canalizam forças profundas. 
São cenas grotescas e brutescas e até delicadas de criaturas daqui e outras quiméricas, em que os homens são pintados mais por dentro do que por fora, dando a conhecer os medos do nosso tempo, o Inferno e a noção de que o Diabo está em toda a parte, e também dentro de nós, com referências a cenas do seu próprio quotidiano, sempre em oposição ao outro lado, ao que é bom, ao que dá prazer e faz bem, mesmo que não apareça na tela. Ainda que a perceptibilidade seja barrada, o baile das dualidades não cessa, como no mundo mesmo. 
Observando o conjunto da sua obra, a uma certa distância e para lá da sala de exposições, apercebemo-nos de um enorme auto-retrato do tamanho da sua própria vida, executado ao longo de anos em catarse diária. A sua versatilidade faz-nos exaltar e dispõe-nos a jogar: baralhamos e colocamos cada quadro numa posição determinada em relação aos outros para assim sacar a mensagem que precisamos receber, como num jogo do Tarot, o verdadeiro.
O Retorno, regressar ao ponto de partida (o antes de sermos intersectados pelos seus quadros, o antes de entrar pela porta de saída), passa a ser uma possibilidade quântica: fica entregue aos que lhes foi concedido o poder de manter a Grande Ordem. Não é Fatalidade, é Benção. Benzidos fomos por nos ser permitido ver o que não queremos ou não podemos enxergar a olho nu nos caminhos e curvas do Labirintho da Inconsciência (o outro lado) por ferramentas interditas à lógica. 

[cecília de fátima, Fevereiro de 2018]
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