Mais poeta que político ou sociólogo, o filósofo Platão, há quase 2500 anos, concebeu o mundo como aparência reminiscente dum universo outro das ideias e das Formas, a consistência única do Real. A entidade definitiva do espírito para a existência consistia em fruir a contemplação absoluta desse universo, cujos arquétipos, impolutos e estáticos, substanciais, permanentes, se configuravam – acessíveis e libertos, na dimensão com que o intelecto se organizara para com eles em saber e harmonia. É no âmbito deste mito do idealismo clássico que por associação me permito considerar os Abstractos de Alberto D’Assumpção, cuja serenidade nos suscita, como se ela fosse flutuação, a natureza metafísica dos universos em paz. O impossível relato da contemplação platónica do espírito com os arquétipos – que em literatura se conforma restritiva – processa-se plasticamente nestes Abstractos como proposta visual e projectiva das expectativas transcendentais de Infinito, o que, não obstante a sua valência erudita de elaboração, interpela sempre o fundo mais secreto, quando não mais ansioso, da nossa comum humanidade. A cor, indicação anímica deste autor, fundamenta-se como condição integral do desdobramento temático sustentado ao longo de cada painel. É uma chamada à lucidez. Persiste, concentrada, na veemência – cerebral, até, com que se discorre da visão para uma ideia, e torna-se, em segurança, a lógica duma evidência. Impõe-se como argumento. Pelo que – a organização estética dos quadros abstractos deste D’Assumpção, de fundo filosófico evanescente da sua formação humanística, utiliza a inerência conjugada do onírico, mas também do deslumbramento, que é proporção dos estados contemplativos. E associa-se ao mito ultrapassado dos arquétipos a ordenação reguladora e mecanicista das esferas planetárias, a modernidade perene, genial, de Newton. Temos na frente um mistério, que é Geometria, espaço dominado. Toda a Pintura emerge como estampagem. Por mais que o não desejem ou não entendam os exclusivistas, a Pintura é uma estampagem – das coisas ou das ideias. Sujeita-se à fatalidade dos suportes, como é sabido. Era assim que o pai de Alberto D’Assumpção – Manuel D’Assumpção dizia que “os quadros não são Pintura”. A história do Abstracto no-lo comprova, ainda que mantido nos seus quadros. Estética, filosoficamente, é dos artistas e de todos os visionários persistentes que ressaltam em variedade os nossos dramas comuns, sociais, metafísicos, mas sempre psicológicos da liberdade. As formas de Arte expressas no Abstracto são a estampagem sensitiva do indizível universal e cósmico do espírito em demanda de si mesmo na existência. Parece-me ter sido assim com Platão, o filósofo, de quem os companheiros diziam ser “divino”. E parece-me dar-se o mesmo na Pintura de Alberto D’Assumpção, ressurgimento clássico no Abstracto do mito da Felicidade.