Lavadouro das Francesinhas (Rua das Francesinhas, 12) 14 outubro (sábado) às 19:45 Entrada gratuita Projeção de filmes de origem desconhecida comentada por Maria Filomena Molder. "A memória da infância procede menos de um apelo do que de um eco, como [Walter] Benjamin defende a propósito de uma carta de Annette von Droste-Hülshoff. Ao correr da vida, sentimos muitas vezes a impressão do já visto, do já vivido, como se de longe, um dia, na obscuridade, os acontecimentos passados ressoassem em nós, procurando o nosso assentimento, a nossa voz, impressão comparável ao momento da concentração que sustenta o que é animado pela paixão de coligir. Nessa medida, a colecção como actividade pode ser colocada em paralelo e entrar em correspondência com as acções propiciatórias da memória. Com efeito, nos seus bífidos corredores, habitáculos profundos, realiza-se uma espécie de coalescência entre a diversidade dos tempos e a sequência dos acasos e das suas impressões, configurada por uma cadência de reestruturação permanente do mundo interior. Nenhum outro pensador terá compreendido melhor esta correspondência que Santo Agostinho ao estabelecer expressivamente, por via etimológica, no livro X das Confissões, a origem do acto de pensar, como intro-impressão, a partir do acto de coligir, de recolher (de colligere a cogitare), que manifesta a autêntica energia da memória. A dispersão ordenada que constitui qualquer colecção seria assim comparável a uma memória material, armazém e labirinto (vasto palácio, como lhe chama Agostinho) em que a lembrança e o esquecimento, a luz e a escuridão, se atraem." Maria Filomena Molder no capítulo “A paixão de coleccionar de Walter Benjamin” em Semear na Neve , ed. Relógio D’Água, 1999 Maria Filomena Molder é professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde foi coordenadora do Departamento de Filosofia (de Julho de 2006 a Setembro de 2007). Doutorou-se em 1992 com uma tese sobre «O Pensamento morfológico de Goethe». Entre 2003-2009 foi membro do Conselho Científico do Collège International de Philosophie, Paris. Tem trabalhos publicados sobre problemas de estética, enquanto problemas de conhecimento e de linguagem, para revistas de filosofia e de literatura, entre outras, Filosofia e Epistemologia, Prelo,Análise, Revista Ler, Sub-Rosa, A Phala, Internationale Zeitschrift für Philosophie,Philosophica, Revista Belém, Dedalus, Rue Descartes, Chroniques de Philosophie, La Part de l’Oeil. Principais publicações: O Pensamento Morfológico de Goethe, INCM, 1995. Semear na Neve. Estudos sobre Walter Benjamin, Relógio d’Água, 1999 – Prémio Pen- Club 2000 para Ensaio. Matérias Sensíveis, Relógio d’Água, 2000. A Imperfeição da Filosofia, Relógio d’Água, 2003. O Absoluto que pertence à Terra, Vendaval, 2005. Símbolo, Analogia e Afinidade, Vendaval, 2009. O Químico e o Alquimista. Benjamin, Leitor de Baudelaire, Relógio d’Água, 2011 – Prémio Pen-Club 2012 para Ensaio. As Nuvens e o Vaso Sagrado, Relógio d’Água, 2014. Rebuçados Venezianos, Relógio d’Água, 2016. Dia Alegre, Dia Pensante, Dias Fatais, Relógio d’Água, 2017. A TRAÇA apareceu, em parte, para descobrir as pessoas a quem pertenciam as 30 horas de digitalizações de filmes de família que foram sendo acumuladas na Videoteca antes de esta ser integrada no Arquivo Municipal de Lisboa (em 2011). Muitas das pessoas a quem estes filmes pertencem foram encontradas. Mesmo assim, restam neste arquivo coleções das quais desconhecemos a origem. Algumas delas são as coleções trazidas pelos seus proprietários que, contudo, já não sabemos quem são. Mas outras são trazidas até nós logo com esse estatuto. Em parte provavelmente pela mesma razão que levava a que as pessoas procurassem a Videoteca – a obsolescência das tecnologias analógicas – mas em parte provavelmente por outras razões, tão desconhecidas quanto as suas origens. São os filmes chamados órfãos. Distinguem-se dos anteriores, dos quais não sabemos nada a não ser que as pessoas a quem pertenciam procuraram revê-los através de uma transcrição para outro formato. Dos segundos, pelo contrário, sabemos que foram descartados. Durante esta 2a edição vamos expor estes filmes de família de origem desconhecida – os descartados e aqueles dos quais não sabemos nada. E vamos construir dois tipos de percurso. Um é uma espécie de visita guiada, experiência de projeção comentada e orientada por Maria Filomena Molder (14 outubro às 19:45) e Daniel Jonas (14 outubro às 22:30) que vão tanto comentar as imagens como refletir sobre este seu estatuto, de coisa perdida. O outro é físico e os seus traços sobrepõem-se ao do mapa da Madragoa por onde espalhámos fragmentos destas coleções de origem desconhecida, desarrumados, misturados, tal como foram recebidos por nós ou encontrados – num percurso que tanto refaz os processos de rememoração, como coloca o visitante no lugar do arquivista no momento em que este é explorador de um terreno desconhecido e começa a identificar relações entre aquilo que parece afastado. A TRAÇA - Mostra de Filmes de Arquivos Familiares é organizada e programada pela Videoteca Lisboa - Arquivo Municipal de Lisboa e decorre de 13 a 15 de outubro, em vários espaços do Bairro da Madragoa. Apresenta, nesta segunda edição, projeções de filmes de família, performances em parceria com o alkantara [lisboa], conversas, encontros e percursos com moradores. Programa completo e mais informações: TRAÇA . Madragoa http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/eventos/traca-madragoa http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/gca/index.php?id=954