O cantochão – ou Canto Gregoriano – é transversal à quase totalidade da produção musical sacra nos países católicos durante os últimos quinhentos anos. A escrita para órgão baseada em motivos do cantochão, assim como a prática do alternatim, foram praticadas em Portugal de forma ininterrupta ao longo dos de vários séculos (pelo menos até 1834). As mais importantes fontes portuguesas de música de tecla da dos séculos XVI e XVII – as Flores de musica de Manuel Rodrigues Coelho, publicadas em Lisboa em 1620, o Livro de obras de órgão juntas pella coriosidade de P. P. Fr. Roque da Cõceição, compilado em 1695 e o manuscrito 964 do Arquivo Distrital de Braga – contêm numerosos exemplos daquelas duas práticas. Já na primeira metade do século XVIII, onde as fontes para a música de órgão são muito mais escassas, os Versos de 5º tom de Frei Jerónimo da Madre de Deus sobressaem como um exemplo inequívoco da continuação da prática de executar pequenas peças de órgão com versos de cantochão cantados. Neste conjunto de vinte versos surge, inclusivamente, a técnica do cantus firmus: em dois versos é citada, em valores longos, a melodia do quinto tom salmódico. Também Frei José Marques e Silva (1782-1837) utiliza a técnica do cantus firmus no seu hino Jesu, Redemptor omnium. A harmonização do cantochão, prática habitual no século XVIII, está patente no início do hino Crudelis Herodes Deum, embora uma grande parte da sua produção sacra, como o Magnificat composto em 1834 e que hoje se apresentará em primeira audição moderna, não apresente relação directa com qualquer melodia gregoriana. PROGRAMA CARLOS SEIXAS (1704-1742) Sonata para órgão em lá menor FREI JERÓNIMO DA MADRE DE DEUS (1714/5-p.1768) Veni Sancte Spiritus (1768) Versos de 5º tom (alternados com cantochão) MARCOS PORTUGAL (1762-1830) Sonata para órgão em Ré maior FREI JOSÉ MARQUES E SILVA (1782-1837) Benedictus Dominus Deus Israel (1809) Hino Crudelis Herodes para a festa dos Reis Magos (1834) Hino Jesu, Redemptor omnium para a festa do Natal (1834) Magnificat (1834) CAPELLA PATRIARCHAL Patrycja Gabrel, Susana Duarte, sopranos Carolina Figueiredo, Catarina Saraiva, contraltos João Rodrigues, Diogo Rato Pombo, tenores Manuel Rebelo, Sérgio Silva, baixos João Vaz, órgão e direcção CAPELLA PATRIARCHAL Criado em 2006 e contando com diversas apresentações em Portugal, Espanha e Alemanha, este agrupamento é um projecto destinado fundamentalmente à divulgação dos tesouros da música sacra portuguesa. Apresenta frequentemente obras inéditas, pautando-se por um cuidadoso trabalho prévio de investigação das fontes musicais, assim como por um intenso esforço de observação das práticas interpretativas das diversas épocas. A presença do órgão na formação do grupo permite não só a interpretação das obras em que o instrumento executa uma parte obrigada ou simplesmente o baixo contínuo, como também o repertório mais antigo, seguindo a tradição da polifonia vocal acompanhada pelo órgão ou por outros instrumentos. Tendo origem no trabalho de João Vaz em relação à música de órgão portuguesa dos séculos XVI a XIX, através do estudo directo das fontes, aborda a música vocal, contando para isso com a colaboração de cantores especialmente dedicados a este tipo de repertório. A Capella Patriarchal gravou em CD os Responsórios de Quinta-Feira Santa e Missa Ferial de Frei Fernando de Almeida, assim como os Responsórios de Sexta-Feira Santa de Frei José Marques e Silva. Estas gravações foram as primeiras integralmente dedicadas aqueles compositores. JOÃO VAZ Natural de Lisboa, João Vaz é diplomado em Órgão pela Escola Superior de Música de Lisboa, onde estudou com Antoine Sibertin-Blanc, e pelo Conservatório Superior de Música de Aragão, em Saragoça, onde trabalhou com José Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. É também doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido, sob a orientação de Rui Vieira Nery, uma tese sobre a música portuguesa para órgão no final do Antigo Regime. Tem mantido uma intensa actividade a nível internacional, quer como concertista, quer como docente, em cursos de aperfeiçoamento organístico. Efectuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo, salientando-se as efectuadas em órgãos históricos portugueses. As suas publicações incluem artigos que incidem sobretudo na música de tecla portuguesa. Lecciona actualmente Órgão na Escola Superior de Música de Lisboa, tendo também exercido funções docentes no Instituto Gregoriano de Lisboa, Universidade de Évora e Universidade Católica Portuguesa (Escola das Artes). É actualmente director artístico do Festival de Órgão da Madeira e das séries de concertos que se realizam nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997).