Tipografia Damasceno, de: Fernando Rui da Silva Damasceno de Albuquerque
Rua de Montarroio, 45B - Coimbra Ver website
O workshop pretende dar a conhecer aos participantes a técnica de tipografia tradicional, passando pelas várias fases: composição, imposição, impressão e distribuição. Com: Joana Monteiro, Rui Damasceno e José Lages Preço: 45 euros (inclui a publicação Manual Prático do Tipógrafo) Número de Inscrições: 7 pessoas Inscrições: joana.monteiro@gmail.com Vamos trabalhar o poema "Ode à Tipografia" de Pablo Neruda. ODE À TIPOGRAFIA Pablo Neruda Letras amplas, severas, verticais, feitas de linha pura, erguidas como o mastro do navio no meio da página cheia de confusão e turbulência, Bodonis algébricos, letras cabais, finas como lebréis, submetidas ao retângulo branco da geometria, vogais elzevires cunhadas no miúdo aço da oficina junto à água, em Flandres, no norte traçado por canais, cifras da âncora caracteres de Aldus, firmes como a estatura marinha de Veneza em cujas águas-mães como vela inclinada, navega a cursiva curvando o alfabeto: o ar dos descobridores oceânicos agachou para sempre o perfil da escritura. Desde as mãos medievais avançou até teus olhos este N este 8 duplo este J este R de rei e de rocio. Ali se lavraram como se fossem dentes, unhas, metálicos martelos do idioma. Golpearam cada letra, erigiram-na pequena estátua negra na alvura, pétala do pensamento que tomava forma do caudaloso rio e que ao mar dos povos navegava com todo o alfabeto iluminando a desembocadura. O coração, os olhos dos homens se encheram de letras, de mensagens, de palavras, e o vento passageiro ou permanente levantou livros loucos ou sagrados. Debaixo das novas pirâmides escritas a letra estava viva, o alfabeto ardendo, as vogais, as consoantes como flores curvas. Os olhos do papel, os que miraram nos homens buscando seus presentes, sua história, seus amores, estendendo o tesouro acumulado, espargindo prontamente a lentidão da sabedoria sobre a mesa como um baralho, todo o húmus secreto dos séculos o canto, a memória, a revolta, a parábola cega, pronto foram fecundidade, celeiro, letras, letras que caminharam e se acenderam letras que navegaram e venceram, letras que despertaram e subiram, letras que libertaram, letras em forma de pomba que voaram, letras vermelhas sobre a neve, pontuações, caminhos, edifícios de letras e Villon e Bercéo, trovadores da memória apenas escrita sobre o couro e também sobre o tambor da batalha, chegaram à espaçosa nave dos livros, à tipografia navegante. Mas a letra não foi só beleza, e sim, vida, foi paz para o soldado, baixou às soledades da mina e o mineiro leu o panfleto duro e clandestino, ocultou-o nos recônditos do segredo coração e acima sobre a terra, foi outro e outra foi sua palavra. A letra foi a mãe das novas bandeiras, as letras procriaram, as estrelas terrestres e o canto, o hino ardente que reúne aos povos de uma letra agregada a outra letra e a outra de povo em povo foi sobrelevando sua autoridade sonora e cresceu na garganta dos homens até impor a claridade do canto. Mas tipografia, deixe-me celebrar-te na pureza de teus puros perfis, na redoma da letra O, no viçoso alguidar do Y, no Q de Quevedo (como poderia passar minha poesia em frente dessa letra sem sentir o antigo arrepio do sábio moribundo?), à açucena multi multiplicada do V de vitória, no E escalonado para subir ao céu, no Z com seu rosto de raio, no P alaranjado. Amor, amo as letras de teu cabelo, o U de teu olhar, os S de tuas curvas. Nas folhas da jovem primavera refulge o alfabeto diamantino, as esmeraldas escrevem teu nome com iniciais frescas do rocio. Meu amor, tua cabeleira profunda como selva ou dicionário me cobre com sua totalidade de idioma vermelho. Em tudo, no estalão do verme se lê, na rosa se lê, as raízes estão cheias de letras retorcidas pela umidade do bosque e no céu de Isla Negra, à noite, leio, leio no firmamento frio da costa, intenso, diáfano de formosura, despregado, com estrelas capitais e minúsculas e exclamações de diamante gelado, leio, leio na noite do Chile austral, perdido nas celestes solitudes do firmamento, como em um livro leio todas as aventuras e na erva leio, leio a verde, a arenosa tipografia da terra agreste, leio os navios, os rostos e as mãos, leio em teu coração onde vivem entrelaçados a inicial provinciana de teu nome e o arrecife de meus sobrenomes. Leio tua fronte, leio teu cabelo e no jasmim as letras escondidas elevam a incessante primavera até que eu decifro a enterrada pontuação da papoula e a letra escarlate do estio: são as exatas flores do meu canto. Contudo quando desfralda seus rosais a escritura, a letra sua essencial jardinaria, quando lês as velhas e as novas palavras, as verdades e as explorações, te peço um pensamento para quem as ordena e as levanta, para o que separa o tipo, para o linotipista com sua lâmpada como um piloto sobre as ondas da linguagem ordenando os ventos na espuma, a sombra e as estrelas no livro: o homem e o aço uma vez mais reunidos contra as asas noturnas do mistério, navegando, hora dando, compondo. Tipografia, sou apenas um poeta e és o florido jogo da razão, o movimento do cerzir da inteligência. Não descansas de noite nem no inverno circulas nas veias de nossa anatomia e se dormes voando durante alguma noite ou greve ou fadiga ou ruptura de linotipia baixas de novo ao livro ou ao jornal como nuvem de pássaros ao ninho. Regressas ao sistema à ordem inapelável da inteligência. Letras continuai caindo como precisa chuva em meu caminho. Letras de tudo o que vive e morre, letras de luz, de lua, de silêncio, de água, amo-vos, e em vós recolho não apenas pensamento e o combate, mas também vossos vestidos, sentidos e sonoridades: A de gloriosa aveia, T de trigo y de torre e M como teu nome de maçã.
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