Abertura da Pop Up exposição
"DO VALE DO JEQUITINHONHA PARA OS VALES E MONTANHAS DE SANTIAGO | Leandro Júnior
Quinta-feira, 14 de novembro | 17 horas às 19 horas
CCCV | Piso 2
Sobre a exposição:
O Vale do Jequitinhonha sempre esteve em mim, sem nunca o conhecer. Esteve em mim pela música, das cantadeiras do Vale, e pela cerâmica maravilhosa, que conheci no Palácio dos Artes em Belo Horizonte. Mas, por esses encontros que só a cultura permite, o Vale do Jequitinhonha veio bater em minha porta, a partir do artista Leandro Júnior de Sousa, aqui em Cabo Verde.
Leandro Júnior chegou a Cabo Verde pelas mãos de Simon Watson, artista e curador de arte, com base numa residência artística (LUZ_AIR) que acontece durante três meses em Lisboa. Descobrindo, a partir de pesquisas, as semelhanças entre Santiago e o Vale do Jequitinhonha, Leandro Júnior pousou na grande ilha para conhecer sua gente e cultura.
“Em minhas pesquisas sobre outras paragens, Cabo Verde apareceu como um lugar muito parecido com o Vale, as pessoas, sua forma de viver. Na minha cidade cerca de 90 por cento da população é negra e Cabo Verde se mostrou como um caminho para eu buscar a minha identidade, a minhas origens. Além disso havia o fator da língua portuguesa, que facilitaria o diálogo”.
Desse encontro com Santiago deu-se o reencontro do artista com a sua infância e juventude. “Estar em Cabo Verde foi como eu tivesse voltado atrás, 20 anos, à minha cidade, a Chapada Norte. Tudo lembrava a minha infância, as mulheres carregando cargas na cabeça, as carrinhas carregando pessoas na carroceria”, além do enriquecimento de encontrar nas localidades por onde passava “uma mistura entre o rural e o urbano.”
Isto permitiu ao artista um encontro cultural e de afetos, sobretudo na relação com as pessoas, cujas marcas e sensações ele levou para o seu atelier no Areeiro, em Lisboa. As imagens e sensações que ficaram gravadas em si, as fotos que fez, regadas pela música crioula que se tornou a trilha sonora do seu trabalho, são agora transformadas em quadros, uma pintura realista que traz para a cena as gentes de Santiago.
São obras de um artista que olha com delicadeza e admiração o ser humano, o que faz com que ele busque cada detalhe, por menor que seja. As mulheres, enlaçadas pela cintura são de tal forma belas na singeleza de sua vida que parecem convidar-nos a também estar junto delas e olhar para um horizonte sem fim, num céu quase sempre azul.
Nesses quadros, quer juntas quer carregando alguma carga na cabeça, que é muito típico tanto em zonas rurais quanto nas cidades, as mulheres estão quase sempre de costas. Para o artista esta sua visão das “badias”, sempre em tons pastéis, onde o cenário é apenas o céu e o mar, mostram mulheres sozinhas com a sua vida e que sonham com um horizonte para além da sua ilha.
A visão do artista comunga, assim, com a visão do poeta que fala deste “convite de toda a hora / que o Mar nos faz para a evasão! / Este desespero de querer partir / e ter que ficar”. Mas, no caso do trabalho de Leandro Júnior as imagens estão longe de insinuar desespero, sugerem-nos planos, projetos de vida, desejos dessas mulheres irem para além das fronteiras da ilha, para além do horizonte, para além dos limites da vida. E assim, quem visita a exposição é convidado a se interrogar, também, sobre esses sonhos.
No caso das batucadeiras, personagens de destaque da vida musical que pulsa em Santiago, elas aparecem normalmente em grupo, porque essa é a força da delas, pois é na vida partilhada que elas têm conquistado os palcos e o mundo. Para elas a força da sua canção, na qual celebram o quotidiano, a sensualidade da sua dança mostra-lhes que as fronteiras da ilha já não são limite. E o artista procura demonstrar isso ao esmerar-se nos detalhes de cada uma dessas mulheres, que trazem, enrolado na cintura, uma marca forte da cultura cabo-verdiana, o “pano di terá”.
É a mulher a personagem principal dessa exposição, presente na maioria dos quadros. Esta é uma opção muito consciente do artista, que tem pintado, igualmente, as mulheres do Vale do Jequitinhonha, inspirado pelo quotidiano da vida de sua mãe. “Vejo, a partir da vida no Jequitinhonha, que as mulheres precisam ser empoderadas. Gostaria que elas ocupassem o mesmo espaço que é dado aos homens”. Um desejo que também é válido para a realidade cabo-verdiana.
Leandro Júnior fecha a sua série sobre Cabo Verde com rostos de homens, num realismo tão poderoso que parece que sentiremos a textura do cabelo, a delicadeza da pele se tocarmos nos seus quadros. E consegue ser muito fiel ao tipo humano da ilha de Santiago que, na sua capital, reúne as características particulares de todas as ilhas do país. É um momento inovador para ele como artista que nos coloca frente a frente com um ser humano desconhecido, como num convite a um diálogo, neste mundo onde, no dia a dia os olhares já não se cruzam.
Resumindo, o artista consegue impor beleza na simplicidade da vida e das pessoas de forma surpreendente. E, tão importante quanto isso, quem visitar a exposição de Leandro Júnior, aberta ao público de 6 de novembro a 6 de dezembro, na galeria LUZ_AIR, conhecer um trabalho todo feito com terra, uma técnica que o artista foi buscar da sua experiência anterior com a cerâmica quando descobriu a diversidade de cores das terras do Vale do Jequitinhonha. — Marilene Pereira, Diretora do Centro Cultural Brasil-Cabo Verde, escritora e jornalista. Nascida em Minas Gerais e radicada em Praia, Cabo Verde.