Biblioteca Publica e Arquivo Regional de Ponta Delgada
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Trata-se, quanto ao documento em destaque neste mês, do registo oficial, em livro de notas de um tabelião[1], de uma carta de confirmação da mercê régia (de Filipe II, D. Filipe I de Portugal) concedida a Nicolau Pereira de Sousa, fidalgo da Casa Real, em sucessão a seu pai, Pedro Camelo Pereira, que já desempenhara o mesmo cargo de juiz dos órfãos em Ponta Delgada “e seu termo”, isto é, na área do concelho[2].
O traslado foi feito com data de 20 de agosto de 1632, no seu livro de notas, pelo tabelião Gregório Sanches, de Ponta Delgada[3], e transcreve a carta de confirmação datada de 17 de dezembro de 1597, a qual, por sua vez, inclui o texto do alvará de mercê, de 31 de outubro do mesmo ano.
O juiz dos órfãos tinha como competência essencial zelar pelos interesses dos órfãos, ausentes e incapacitados, em todos os processos de natureza cível, especialmente no âmbito de heranças, em processos de inventários e partilhas. Com origem medieval, o cargo foi extinto durante as reformas do início do regime liberal, na década de 1830, passando as competências para os juízes de Direito, mesmo assim assessorados pelos curadores dos órfãos.[4]
O agraciado pagava direitos à Chancelaria Régia, para o exercício do cargo para o qual era nomeado, bem como uma fiança, de que apresentava fiador. Conforme é mencionado no texto deste traslado, Nicolau Pereira de Sousa deu fiança, no valor de 200$000 rs. (duzentos mil réis), sendo fiador um seu parente, Gaspar Camelo Pereira, o que ficara registado no competente livro da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Tal como acontece neste caso, e até porque aqui se trata de um cargo importante, de natureza judicial, era comum o registo de diplomas ou outros documentos oficiais, por parte dos destinatários, nos livros de registo da Provedoria da Fazenda e Alfândega ou nos da câmara municipal do concelho, para que neles ficassem a constar, mas também certamente como forma de preservar o seu conteúdo, já que os originais podiam deteriorar-se ou extraviar-se na posse dos titulares e descendentes.
Como curiosidade, e apesar de apenas terem passado pouco mais de 30 anos, note-se que o tabelião já declara, no final deste traslado, que “e vay falta no dia e mes do assento de Ant[oni]º Botelho quando foi registada, e nos anos da vista do corregedor João Correa da Mesquita, por estarem apagados de maneira q[ue] se não enxergão”. Isto é, o documento original, em pergaminho e datado de 1597, que se encontrava na posse de Nicolau Pereira de Sousa, em 1632 já apresentava alguma dificuldade de leitura dos registos lançados, certamente no verso como era habitual. Neste caso, já não estavam legíveis a data completa em que o escrivão da Câmara de Ponta Delgada, António Botelho, confirmara o registo no livro de tombo e nem a data de dois vistos em correição.
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Legenda
Treslado [sic] da carta do ofício de Nicolau Pereira de Sousa. Ponta Delgada, 20 ago. 1632.
Gregório Sanches, tabelião público e do judicial na cidade de Ponta Delgada e seu termo.
Transcreve:
Carta de confirmação a Nicolau Pereira de Sousa, fidalgo da Casa Real, da mercê do ofício de Juiz dos Órfãos da cidade de Ponta Delgada, da ilha de São Miguel, e seu termo. Lisboa, 17 dez. 1597.
Alvará de mercê a Nicolau Pereira de Sousa, fidalgo da Casa Real, do ofício de Juiz dos Órfãos da cidade de Ponta Delgada, da ilha de São Miguel, que vagara por morte de seu pai, Pedro Camelo Pereira, para o servir da maneira que ele o servia e conforme a carta ou provisão que dele tinha. Lisboa, 31 out. 1597
BPARPD. Cartórios Notariais de Ponta Delgada. Livro de notas dos tabeliães Pedro Ferreira Serrão, Jorge Palha de Macedo e Gregório Sanches (1630-1633), fl.s 119-120 – NOT 21.
[1] - “(…) instrume[n]to dado e passado em publica forma nestas notas, por mandado e authoridade de Justiça (…)”.
[2] - Cargos e ofícios como este eram muito apetecidos e solicitados pela gente da governança das localidades e tornavam-se frequentemente hereditários ou eram, mesmo, concedidos como mercê a quem casasse com uma filha do detentor, normalmente na ausência de filho varão. Nos séc.s XVII e XVIII vulgarizou-se a chamada venalidade dos cargos, podendo o agraciado, mediante a necessária autorização régia, arrendar ou, mesmo, vender o direito de exercício do cargo ou ofício. Tal prática verificou-se, por exemplo, no caso dos tabeliães. Veja-se, a propósito: Francisco Ribeiro da Silva - Venalidade e hereditariedade dos ofícios públicos nos séculos XVI e XVII: alguns aspectos (https://hdl.handle.net/10216/13174).
[3] - Livro descrito em https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1098449.
[4] - Veja-se, por ex.º: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta. Juízo dos Órfãos da Vila de Guimarães: descrição em https://archeevo.amap.pt/descriptions/225590.
Sobre o tema e para o arquipélago da Madeira, sugere-se o estudo de José Vieira Gomes - Juízos dos Órfãos do Antigo Regime e o Estado da Questão: História Institucional e Arquivo – Pistas para a Investigação do Tema na Madeira (Século XV-1834). Arquivo Histórico da Madeira. Nova Série. N.º 1 (2019), p. 291-335 (cf. https://ahm-abm.madeira.gov.pt/index.php/ahm/article/view/14 e https://ahm-abm.madeira.gov.pt/index.php/ahm/article/view/14/16).
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Ficha técnica
Coordenação:
Jorge Frazão de Mello-Manoel
Odília Gameiro
Texto:
Jorge Frazão de Mello-Manoel
Design:
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Transferência de suporte:
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Divulgação:
Anabela Carvalho Cabral
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Fonte: https://www.culturacores.azores.gov.pt/agenda/default.aspx?id=47985
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