Ensemble Bonne Corde

“LAMENTAÇÕES PARA A SEMANA SANTA de Joseph-Hector Fiocco”
O manuscrito das Lamentações para a Semana Santa do compositor belga Joseph-Hector Fiocco foi recentemente descoberto por Diana Vinagre numa biblioteca de Antuérpia. Esta obra propiciará a atmosfera perfeita para o ambiente de espiritualidade e meditação que desejamos para esta primeira noite da Paixão.

Programa
Deuxième Lamentation du Jeudi Saint
Première Lamentation du Jeudi Saint
Lettione prima di Giovedì Santo

Elenco
Ensemble Bonne Corde
Ana Quintans - Soprano
Caroline Kang - Violoncelo Barroco
Marta Vicente - Contrabaixo Barroco
Fernando Miguel Jalôto – Órgão
Diana Vinagre - Violoncelo Barroco & Direção Artística

Sinopse
O Ensemble Bonne Corde, um dos mais destacados grupos de música antiga portugueses, que é também uma referência relevante no panorama internacional, apresentará as recentemente descobertas “Lamentações para a Semana Santa” de Joseph-Hector Fiocco.

 

Notas ao programa:

As Lamentações para a Semana Santa do compositor belga Joseph-Hector Fiocco têm a peculiaridade de incluir partes solísticas para violoncelos num repertório que habitualmente utiliza apenas o baixo contínuo para acompanhamento da voz, característica que confere a estas obras uma dimensão de particular lirismo e profundidade. Destas Lamentações, escritas no ano de 1733 em Antuérpia, conheciam-se apenas as fontes manuscritas existentes na Biblioteca do Conservatório Real de Bruxelas mas recentemente, e no contexto do seu trabalho de investigação sobre o violoncelo na música sacra, Diana Vinagre identificou, num arquivo belga, manuscritos de lamentações inéditas de autoria do compositor com instrumentação similar. Estas obras permaneceram desconhecidas desde o período da sua criação até aos dias de hoje, tendo sido incluídas na gravação do Ensemble Bonne Corde da integral das Lamentações para a Semana Santa de Fiocco para a prestigiada etiqueta belga Ramée (Outhere Music) lançada em Novembro de 2022, e nomeada para o Prémio Discográfico dos Críticos Alemães na categoria de música antiga.

Apesar de serem uma das famílias de músicos mais importantes na primeira metade do século XVIII em Bruxelas, os Fiocco não foram ainda alvo de um estudo sistemático, nem a sua obra teve a divulgação que merece nas salas de concerto. Chegados à cidade no final do século XVII, são um dos exemplos da profusa diáspora de músicos italianos nos vários países europeus durante o período barroco. O compositor veneziano Pietro Antonio Fiocco, pai de Joseph-Hector, chega a Bruxelas em 1682, tendo desenvolvido uma carreira de igual sucesso tanto no domínio da música profana como da música sacra, tendo sido detentor dos cargos musicais mais importantes na cidade, com a nomeação em 1703 como Mestre de Música da Capela Real, assim como de responsável musical máximo da Catedral de Notre-Dâme du Sablon. Joseph Hector receberá a sua formação não só de seu pai, mas também de seu meio-irmão, Jean Joseph Fiocco, organista e compositor que assume o cargo do pai na Catedral após a sua morte em 1714. É em Sablon e sob a alçada do seu irmão que Joseph-Hector inicia a sua vida profissional como sous-mâitre em 1729 ou 1730. Em Agosto de 1731 demite-se do cargo para suceder a Willem De Fesch como mestre de coro (sangmeester) na Catedral de Antuérpia, e será só em Março de 1737 que regressa a Bruxelas para exercer funções similares na igreja da colegiada de St. Michel e Ste. Gudule.

Após a precoce morte do compositor em 1741, a sua viúva, Marie Caroline Dujardin, vende os manuscritos da sua obra ao cónego Joannes Vanden Boom (1688-1769), mestre de capela da Colegiada de St. Michel e Ste. Gudule em Bruxelas. É entre esta coleção, que hoje subsiste em Bruxelas em cópias tanto do próprio Vanden Boom como da mão de outros copistas, que se encontram as Lamentações anteriormente conhecidas, datadas do período em que Fiocco foi mestre de coro da catedral de Notre-Dâme de Antuérpia. No concerto de hoje são apresentadas Lamentações para a Quinta-feira Santa para soprano solo, entre as quais a Primeira Lamentação de Quinta-feira Santa, do manuscrito descoberto em Antuérpia. É de destacar nestas obras de Joseph-Hector Fiocco o domínio da fusão dos estilos italiano e francês de forma particularmente marcante, conjugando elementos ao jeito de les gôuts réunies de forma fluente e orgânica, num conjunto de obras com uma escrita refinada e pungente.

É precisamente no período em que Fiocco escreve estas obras que assistimos ao momento chave de disseminação do violoncelo na Europa enquanto instrumento solista. Partindo de Itália, de onde é originário o instrumento, assistimos desde o início do século XVIII à introdução do instrumento em vários países europeus por parte de violoncelistas e compositores italianos, sendo a década de 1730 fulcral na consolidação da presença regular do violoncelo na vida musical das mais importantes capitais europeias. O programa completa-se com obras destes músicos, entre os quais se contam os compositores Antonio Caldara e Antonio Vivaldi, autores de várias obras para violoncelo solo, assim como dos violoncelistas virtuosos Salvatore Lanzetti, Joseph-Marie-Clément dall’Abacco e Giacobbe Basevi Cervetto, ativos principalmente em Paris e Londres.

Deve ser sublinhado que durante este processo de difusão europeia do instrumento nas primeiras décadas de setecentos, a relação do violoncelo com a voz e a sua utilização enquanto solista na música vocal foi de enorme importância. Não só ampliou os recursos técnicos do instrumento como o popularizou através da presença em repertório de maior alcance. Entre os compositores que utilizam frequentemente o violoncelo estão alguns dos mais famosos do período, como A. Caldara, A. Scarlatti, G. F. Handel, N. Porpora, G. Bononcini ou L. Leo.

As Lamentações de Joseph-Hector Fiocco inserem-se certamente num grupo de obras que contribuíram amplamente para divulgar e sedimentar o espaço do violoncelo enquanto instrumento solista no norte da Europa, destacando-se pela escrita sumptuosa, perfeitamente idiomática e de extrema elegância para o instrumento. Através da inegável qualidade e beleza destas obras, torna-se claro que Fiocco é merecedor de uma maior atenção tanto por parte de musicólogos como de músicos que permita um conhecimento mais profundo do seu trabalho e do seu papel na historiografia musical da Flandres no século XVIII.

Diana Vinagre

Textos Cantados

Segunda Lamentação de Quinta-feira Santa

LAMED. Onde há pão {e onde há vinho}?!, diziam eles às mães, desfalecendo, quais feridos, nas ruas da cidade, e entregando a alma no regaço materno.

MEM. Que dizer? A quem te comparar, filha de Jerusalém? Quem irá salvar-te e consolar-te, ó virgem, filha de Sião? É imensa como o mar tua ruína: quem poderá curar-te?

NUN. Os teus profetas tinham visões apenas extravagantes e balofas. Não manifestaram tua malícia, o que teria poupado teu exílio. Os oráculos que te davam eram apenas mentiras e enganos.

SAMECH. Todos os transeuntes, quando te vêem, batem palmas e, assobiando, meneiam a cabeça sobre a filha de Jerusalém. Eis a cidade da qual diziam ser a beleza perfeita, a alegria do universo.

Jerusalém, converte-te ao Senhor teu Deus.

Fonte: https://em.guimaraes.pt/agenda/geo_evento/ensemble-bonne-corde