O trabalho da Alexandra Rafael tem sido marcado pela materialidade. Com a gravura como elemento identitário, as suas obras resultam usualmente de uma interacção, entre a imagem impressa e os elementos físicos, normalmente naturais, que integra nas obras, ou, logo à partida, nas diversas técnicas pelas quais explora as potencialidades dessa oficina. Desta vez, a sua atenção volta-se também para a luz, enquanto elemento produtor de imagens, apenas inteligíveis na percepção da sua dualidade valorativa – positivo-negativo, presença-ausência, claro-escuro. Foca-se nas sombras, imagens em negativo resultantes do condicionamento ao trânsito da luz, pela matéria dos objectos que se lhe interpõem. Há aqui uma dialética próxima do tempo de insegurança que temos vivido. Um ambiente adverso, que promove o encerramento e a reclusão, orientou o olhar da artista para o movimento das árvores projectado na calçada da rua, vazia. Dimensões etéreas são anuladas pelas ocorrências no percurso – interrompe-se a luz na calçada, interrompe-se a liberdade no nosso caminho. Procura-se então uma referência de familiaridade, a segurança de um lugar comum. Onde está a matéria? Impalpável, no distanciamento da sua elevação aérea, cai sobre nós como ausência. A artista regista essa ausência, desenhada nas formas do contorno da luz, espectro que, na verdade, afirma, algures, uma existência. Com as grafias da sua trama explora essa espécie de camuflado, esses ecos da realidade, que num ambiente anormal lhe causam estranheza. E depois repõe a matéria anulando a distância. Toma as folhas das árvores para revestir a sua própria calçada, produzida; e depois fragmentada, para fazer dançar os seus pedaços, à imagem das folhas que dançam no ar, e no caminho, através da luz; tocando a intangibilidade.