(please scroll down for the English version) Inauguração: Sexta-feira, 25 de Janeiro, 22h 26 Jan – 16 Mar, 2013 Terça a Sábado das 14h às 19h RESIDUAL SHARE / CATARINA DIAS Havia o preto e o branco. E a Catarina Dias redescobriu o cinzento. É a zona de fronteira, the border, é a zona da condição humana. Porque no nosso pensamento, no da Catarina, no meu, vamos até ao fim da radicalidade, até ao fim onde o pensamento é possível. E é o preto e o branco, são os extremos do pensamento e da realidade. Mas o cinzento é a diluição e é lá que estamos. Repare-se como os seus cinzentos são heterogéneos, manchas diluídas por escolha e por acaso. Ela está aí nas imagens que escolhe e mistura, nos espaços que deixam de estar vazios. A condição humana é a contradição humana. Criadores e destruidores. Fúria e compaixão. Nós próprios estamos entre a interioridade e a exterioridade, impulsionados pelas emoções, sentimentos de morte e sentimentos de vida. E tudo para nós, secreto, escondido, envergonhado. Ou a explodir a preto e branco como faz a Catarina. Quantas paisagens os românticos inventaram! Mas elas estavam lá. Estavam lá? O mesmo século dos românticos é o século da revolução industrial, das ruas escuras, da miséria, das crianças raquíticas. Essa era a exterioridade. Para a Catarina Dias a paisagem humana, a exterioridade violenta, entrou-lhe pelos olhos dentro e operou explosões na sua interioridade. Ela equilibra-se, na fronteira, no border, no cinzento. E mostra-nos, vejam lá, essa violência exterior numa mão e os seus sentimentos na outra. Vejam lá, não tem vergonha. Vejam, porque é para verem o que eu vi e como eu vi, diz-nos ela. Vejo o naufrágio do Costa Concórdia, um paquete, um pacote, de luxo, a deslizar para dentro do mar. Comparo-o com a pintura do “naufrágio de um cargueiro” de Turner exposto nas Idades do Mar. O naufrágio moderno é frio, correcto, o barco faz de conta que é barco ainda. É clean, asséptico, a destruição está submersa. O de Turner é dramático, revolto, é ainda o mar cheio de força, as ondas são ondas e a destruição é grandiosa. A exterioridade agora é raro que nos chegue directamente. Não vemos directamente o mar, como o Turner, nem vemos o mar que nos contam como os românticos. Vemos o mar que nos trazem a casa nos écrans, as imagens reproduzidas sem fim, que a Catarina aumenta e aumenta e nos põe diante dos olhos. Como as imagens de morte e revolta que nos trazem a casa. Não vejo da janela. Vejo-as nos seus grandes panos, que são sofridos, recortados, impressos, pintados, colados, um patchwork contemporâneo, não já o dos longos dias das mulheres do Oeste mas o das longas noites de uma mulher urbana. Sem olhos para ver, o macaco que já fomos, não vê nada. Dois buracos. Para os olhos que temos hoje, para o cérebro cheio de circunvoluções a que chegámos, a Catarina mostra-nos esse mundo em derrocada, onde só pode haver revolta. E há revolta porque há vida! A Atenas deste momento, injustiçada pela história da guerra, ocupada, vendida, sem que os velhos e as crianças possam comer os submarinos que foram obrigados a comprar. Nenhuma revolta será suficiente para fazer esquecer a injustiça e a hipocrisia. Tal como nenhumas pedras compensarão as derrocadas, os bombardeamentos, as mortes do país roubado da Palestina, que nos aparece também através das suas imagens. Por trás de tudo o Goldman Sacks vela por nós, oculto, automático, como uma mancha que avança e corrói corpos humanos. Que dor! E nós sem sabermos nada mais que gritar e afastar do écran da televisão este retrato que de nós tiraram. A vitória que nos resta é a do Obama. Reduzida à sua expressão simbólica e à nossa e dele impotência. E para os pobres da terra não há mais que uma batata, sempre e repetidamente a mesma batata, ameaçada por inesperados escaravelhos. No outro lado do mundo uma mulher indiana da construção civil transporta à cabeça uma grande pedra, milhares de anos depois do ser humano ter inventado a roda. Transporta o mundo. E nós todos que estamos a ser transportados pelas manhas de uns e pela fragilidade de outros, não temos alternativa senão olhar com esperança este caminho. Abrir os olhos. E esse é o gesto primeiro: encontrar o fio que mostra o percurso deste labirinto, onde nos meteram e onde nos metemos. Já se ouve o som destes pretos, brancos e cinzentos. Este grito é o nosso silencio. Texto por Isabel do Carmo Dezembro, 2012 —— Opening: Friday, January 25, 10 pm Jan 26 – Mar 16, 2013 Tuesday to Saturday from 2 pm to 7 pm RESIDUAL SHARE / CATARINA DIAS There was black and there was white. And Catarina Dias rediscovered grey. It is the border area, fronteira, the territory of human condition. Because in our reasoning, Catarina’s and mine, we go up to the far end of radical reasoning, as far as possible. It is the black and the white, the two extremes of thought and reality. But grey is the dilution, and that is where we are. Notice how diverse her greys are, stains that are diluted by choice and/or by chance. She is there, in the images that she chooses and melts with, in the spaces that are no longer empty. The human condition is the human contradiction. Creators and destroyers. Fury and compassion. We, ourselves lie between interiority and exteriority, driven by emotions, feelings of death and of life. Everything for us is secret, hidden, ashamed. Or is exploding in black and white, as Catarina does. How many landscapes did the romantics conceive? But they were there. Were they? The century of the romantics is the same century of the industrial revolution, of dark streets, misery and stunted children. That was the exteriority. To Catarina Dias human landscape, the violent exteriority, entered through her eyes and operated explosions within her inner self. She balances on the border, the fronteira, the grey zone. And she shows us, there you see, in one hand that external violence and on the other her feelings. Look at it, she’s not ashamed. Look, because it’s for you to see what I saw and how I saw it, she tells us. I see the sinking Costa Concordia, a packet ship, a luxury package sliding into the sea. I compare it with Turner’s Shipwreck of a cargo ship in the exhibition ‘The Ages of the Sea’. The modern shipwreck is cold, correct, the ship still pretending to be a ship. It is clean, asséptico, destruction is submerged. Turner’s sea is dramatic, turbulent, it is still powerful, the waves are waves and destruction is overwhelming. Exteriority reaches us seldom directly these days. We don’t see the sea directly, as Turner did nor do we see the sea that we are told of as the romantics did. We see the sea that is brought on to us into our homes by screens, endlessly reproduced images, which Catarina enlarges and enlarges and puts in front of our eyes. Just like the images of death and anger that are brought into our homes. I can’t see them from the window. I see them in her large hangings, which are suffered, cut out, printed, painted, glued, a contemporary patchwork, not from the long days of the women in the West, but from the long nights of an urban woman. With no eyes to see, the monkey we once were, sees nothing. Two holes. For the eyes we have today, for the brain we developed, filled in by circumvolutions, Catarina shows us that collapsing world, where there can only be revolt. And there is revolt because there is life! Today’s Athens, wronged by the history of warfare, occupied, sold, where neither the elderly nor the children can eat the submarines that they were forced to buy. No revolt will be enough to make us forget injustice and hypocrisy. Just like no rocks will make up for the ruins, the bombardments, the deaths of the stolen country of Palestine, which also becomes visible through her images. Behind all of this, Goldman Sacks watches over us, secret, automatic, like a stain advancing and corroding human bodies. What pain! And we without knowing what else to do but to scream and to move away from the television screens, from this portrait that they took of us. The victory that we are left with is Obama’s. Reduced to its symbolic expression and to ours, and his, powerlessness. And for the poor of the land, there is no more than a potato, always and again the same potato, threatened by unexpected scarabs. On the other side of the world, an Indian woman working in construction carries on her head a large rock, thousands of years after the human being invented the wheel. She carries the world. And all of us that are being carried insidiously by some, and by the fragilities of others, have no alternative but to look in hope at this path. To open our eyes. That is the first move: to find the thread that shows the path through this labyrinth, where we were put in and which we got ourselves into. We can already hear the sound of those blacks, whites and greys. That scream is our silence. Text by Isabel do Carmo December, 2012