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Vítor Rua | Serenidade

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Emergência Cultural - Ciclo de Programação em Linha

Serenidade: fonte & medium em míse-en-abyme?

Diz-se "O som da Catedral de São Marcos é diferente do som da Catedral de Notre Dame”. A que "som" nos referimos nós, quando falamos deste tipo de sons? Referimo-nos não ao som da fonte sonora, mas sim ao som do medium. Mas podemos realmente falar de um som medium?

A visão tradicional do som diz-nos que o som são ondas que viajam no medium e que o som se localiza na fonte. Mas o medium em si não é a fonte sonora. Apenas processa o som. Para existir som é necessário um medium e, pelo menos inicialmente, uma fonte sonora. Como exemplo, imaginemos um órgão que é tocado na Catedral de Notre Dame: o órgão é a fonte e a Catedral é o medium onde o som do órgão se realiza. Mas fora da Catedral, o som que escutamos é o de um som de um órgão que imaginamos estar dentro da Catedral, mas é esta que emite agora o som que escutamos.

A Catedral é agora uma fonte sonora e o meio ambiente (cidade, campo, praia, deserto), é o medium desse novo som. Esse novo medium (e.g. imaginemos uma cidade), tem um som, que é constituído de biliões de sons de diferentes fontes sonoras e seu respetivo medium. Como aquelas bonecas russas que se desmultiplicam quando abrimos a maior. O primeiro medium de um instrumento como a guitarra acústica é a sua caixa de ressonância e só depois vem o segundo medium: o meio ambiente onde o som se realiza.

Durante um concerto de guitarra clássica, dizemos que estamos a escutar "guitarra"; a fonte sonora é a guitarra; o medium é a sala de concerto (de notar que a caixa de ressonância da guitarra, é, per se, já um medium em relação às cordas da guitarra que realmente são a fonte do som); mas para alguém que esteja no corredor ou no hall da entrada dessa mesma sala de concerto, o som filtrado que lhe chega aos ouvidos, já não é somente o da guitarra; é também o som ambiente da sala e do público (tosses, ruídos); assim, podemos dizer que a fonte sonora, já não é a guitarra - para esse indivíduo -, mas sim toda a sala de concerto; mas para alguém fora do edifício, no passeio cá fora, o som que lhe chega, é o do próprio edifício; o edifício é agora a fonte sonora e a rua o medium; mas para alguém fora dos limites da cidade onde se está a realizar esse concerto de guitarra clássica, o que ele escuta, é o som da cidade; ou seja: a cidade como fonte sonora e o meio ambiente fora do limite da cidade é o medium; mas um astronauta na Lua, pode registar o som do planeta Terra; ao fazer isso, o planeta Terra é agora uma fonte sonora e o espaço é o medium; assim, existe uma espécie de "mise en abîme", entre a fonte sonora que está num medium, que por sua vez, se torna numa fonte sonora incluída noutro medium, que se torna este também, noutra fonte sonora; e assim sucessivamente, como aquelas bonecas russas: as madrioskas.

Sob este ponto de vista, podemos falar da existência de um som medium. Foi este facto sónico que quis explorar nesta minha improvisação Serenidade: a fonte sonora e o medium são um só!

Crédito Instalação/Fotografia: Ilda Teresa Castro


Fonte: https://www.cm-tvedras.pt/agenda/detalhes/103003
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