Cristina Guerra Contemporary Art
Rua Santo António à Estrela, 33 - Lisboa Ver website
Da pintura como exercício “A picture is finished when all traces of the means used to bring about the end have disappeared”1 Da já tradição de relação que mantemos com o trabalho de Luís Paulo Costa, seduz-nos começar por pensar na possibilidade e no grau de surpresa que um determinado número de obras, dispostas de uma certa maneira, num determinado espaço consegue ainda produzir em nós. Manifestamente, essa condição inesperada e insuspeita, deve- se, em nossa opinião, sobretudo a dois factores: por um lado a disponibilidade que revelamos em ir ao encontro (com maior ou menor grau de curiosidade) do objecto artístico e, por outro, a forma invariavelmente armadilhada e discreta como este se nos apresenta. Falamos de pinturas, mesmo quando o seu suporte as faz aproximar de objectos que adivinhamos de outra natureza – caso dos objectos cuja configuração formal escapa à tradicional tela engradada de estrutura ortogonal, por exemplo, ou das situações em que o artista convoca outros media (como a projecção vídeo ou o dispositivo instalativo) – mas mesmo aí continuamos a falar de pinturas. O processo de trabalho de Luís Paulo Costa inicia-se com uma prospecção no campo da imagem – literalmente, tanto nos universos tradicionais quanto nos mais actuais de produção e difusão de imagens – no momento em que a relação desta com o real é, de alguma forma, ainda intrínseca e matricial. Procura, produz e encontra imagens de carácter fotográfico e gráfico, cujas qualidades visuais sejam potenciadoras de uma reflexão ao nível da produção de pinturas. Não lhe interessam os assuntos, não lhe interessam as suas qualidades estéticas ou o rigor dos seus enquadramentos, não lhe interessam os contextos sociais, culturais, políticos, económicos que possam ter-lhes dado origem, não lhe interessa sequer a qualidade ou a nitidez de determinada tomada de vista, interessam-lhe sim as suas características plásticas (podemos dizer) na medida em que com elas, ou a partir delas, pode conceber uma pintura cuja resolução constitua, para o artista, um desafio do ponto de vista da própria prática da pintura. Luís Paulo Costa procura, portanto, nas imagens um potencial problema pictórico para depois procurar (como se de um exercício matemático se tratasse) encontrar-lhe, já no âmbito da execução da pintura, a sua melhor resolução. Para isso, e durante o processo de construção/ concepção/ elaboração de cada pintura, o artista convoca uma série de procedimentos que passam primeiro pela manipulação da imagem original (subtraindo-lhe e alterando-lhe qualidades como a cor, o enquadramento, o formato) e, numa segunda fase, pela curiosa e surpreendente forma de pintar, repintando – a cobertura de cada detalhe da imagem impressa na tela com pequenas (ou ligeiramente maiores) pinceladas de tinta que procuram, na sua proximidade, a total verosimilhança com a matriz que lhes dá origem. Um processo simultâneo de revelação e elisão, de construção e apagamento, muito difícil de destrinçar mas cuja existência, quase de forma mágica, se permite simultânea e presente. A proficiência desta demorada actividade é deslumbrante. O efeito que provoca no espectador é tanto mais intenso (na descoberta do detalhe) quanto mais o seu olho se demorar no percorrer das superfícies. Luís Paulo Costa decidiu titular a exposição de “É sobre uma coisa” que é como quem diz “Pintado por Cima”2, uma vez que uma acção é, em termos físicos, de facto, sinónima da outra. Mas neste caso, (e desde sempre, afirmamos nós), a coisa sobre a qual é extravasa a matéria, extravasa o objecto alvo de repinte, para ir ao encontro da própria Pintura enquanto disciplina e do verbo que deriva do substantivo – como se o pintar justificasse, por si só, a razão de ser, e a existência no mundo, de todas as pinturas. Ana Anacleto 1 REINHARDT, AD in “Twelve Rules for a New Academy” publicado na ARTNews em 1957, e baseado num documento escrito e lido pelo artista no 45o encontro anual do College Art Association no Detroit Institute of Art, em 26 de Janeiro de 1957. 2 Título da sua exposição anterior na Galeria Cristina Guerra Contemporary Art (17 Nov 2011 - 11 Jan 2012)
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