Raramente uma obra musical estreou em semelhantes circunstâncias: no dia 25 de dezembro de 1781, no Palácio Imperial de Viena, diante dos principais músicos da cidade, do Imperador José II e dois distintos convidados, os Grão-duques Paulo e Maria Romanov (futuros Imperadores da Rússia, que viajavam pela Europa incógnitos), escutou-se, pela primeira vez, uma coletânea de 6 uartetos escritos por Haydn, em 1780, para a casa editorial Artaria. Dadas as ircunstâncias da sua estreia, passariam à posteridade como os Quartetos Russos. A piada que subjaz ao título do quarteto op. 33, n.º 2, surge nos compassos finais do 4º andamento, após impolutas páginas de imbatível graciosidade melódica. O tema do rondo começa a ser entrecortado por silêncios até que, inesperadamente, se extingue! Compostas em 1914, e revistas em 1918, as Três peças para Quarteto de Cordas são um bom exemplo da forma concisa como Stravinsky procura maximizar os recursos. Ao invés do diálogo canónico entre instrumentos, ou da predominância de uma melodia acompanhada, sucedem-se texturas fragmentadas, abundantes em paletas harmónicas e recursos tímbricos. Em 1928, Stravinsky daria um título a cada um dos andamentos: I. Dança; II. Excêntrico; III. Cântico.
Igualmente conciso, mas numa dimensão oposta, o Quarteto op. 95 de Beethoven foi escrito em 1810 e dedicado ao amigo Nikolaus von Zmeskall. Estreado em 1814, e publicado em 1816, tem o curioso facto de partilhar a mesma tonalidade, fá menor, com o primeiro (op. 18) e o último (op. 135) dos seus quarteto de cordas. Beethoven confidenciou “O quarteto é escrito para um círculo de connoisseurs e nunca deverá ser apresentado em público”, o que não é de estranhar dada a tremenda modernidade que o compositor evoca: concentração formal, pungência melódica, robustez rítmica, interrupções abruptas e ousadas mudanças de tonalidade. Talvez daí o título que o próprio escreveu, “Quartett[o] Serioso”. Mas, se a essência emocional é perturbadora, a ansiedade e tensão predominam, fica a nota final do imperativo de transcender as adversidades com os últimos compassos, vertiginosamente primaveris. Como se Beethoven conhecesse os versos de Sophia “Depois da cinza morta destes dias / (…) a terra emergirá pura do mar”.
J. Haydn (1732 – 1809)
Quarteto de cordas em Mib Maior, op. 33 nº 2 “A piada”
I. Stravinski (1882 – 1971)
Três peças para quarteto de cordas
L. van Beethoven (1770 – 1827)
Quarteto de Cordas nº 11, em Fá menor, op. 95 “Serioso”
“Há dois anos que vivemos suspensos, num tempo suspenso. Tempo dissonante, ruidoso, pontuado pelo irritante ostinato do coronavírus. Ainda que persistam algumas interrogações, cremos ter chegado àquele momento que em música se chama o «ataque», momento mágico, expectante, pleno de pro- messas, em que as mãos do pianista, estáticas, tensas, prontas, se preparam para inaugurar um novo tempo, o tempo encantado da arte musical. É tempo de renascer. Para nós, chegou o tempo da Fénix, a ave ancestral e mítica que, renascendo das próprias cinzas, marca o início de um novo ciclo. Que voe alto e magnífica no azul vasto dos céus, são os nossos votos. Que a grande Arte nos possa sanar das implacáveis dissonâncias da Natureza. Para isso trabalhamos. 2022 será o ano em que Shlomo Mintz, um dos maiores violinistas do nosso tempo, visitará Portugal para interpretar o maravilhoso Concerto para Violino e Orquestra de Beethoven, acompanhado pela Madrid Soloists Chamber Orchestra, dirigida por Nuno Côrte-Real; serão três concertos, em Lisboa, Torres Vedras e, pela primeira vez na Temporada Darcos, na Casa da Música no Porto. Mas 2022 verá também renascer uma nova e original versão do bailado A Sagração da Primavera, de Stravinski, protagonizada pela Vortice Dance Company e pelos seus coreógrafos Cláudia Martins e Rafael Carriço. Também no Porto, e na mesma Casa da Música, vindo de Lyon, irá apresentar-se um dos mais conceituados ensembles franceses de música contemporânea, o Ensemble Orquestral Contemporain, com o seu diretor musical, Bruno Mantovani, destacado maestro e compositor, num intercâmbio musical que integra a Temporada Cruzada Portugal-França. O ano de 2022 traz ainda uma nova parceria com a Universidade de Lisboa, intitulada Música na Universidade, uma série de concertos de câmara e sinfónicos em espaços de rara beleza e muita história, como o Anfiteatro Chimico (Museu Nacional de História Natural e da Ciência) ou a Aula Magna da Reitoria. De Espanha, com o perfume surrealista do genial pintor Salvador Dalí, será apresentada a ópera de câmara La Vida Secreta, com música de Nuno Côrte-Real, libreto da escritora, tradutora e poeta, Martha Asunción Alonso, e encenação de Carlos Antunes, numa coprodução entre a Temporada Darcos e o Festival Little Opera, de Zamora; nessa cidade espanhola, à beira-Douro plantada, será ainda lançado um novo CD, música ligeiramente surreal onde o real sonoro será sonoramente irreal… O Ensemble Darcos continuará em 2022, a sua viagem de excelência por caminhos tão vários como Mahler, Bach, Stravinski ou Dvořák, sempre com apresentações que desafiam os críticos mais exigentes, pela sua extraordinária qualidade e empenho emocional. É tempo de renascer, das nossas cinzas e dos nossos medos, de voar novamente e continuar a luta por um futuro global sustentável e pacífico. Tentaremos que a Música, arte por excelência do indizível, possa nesta 15ª edição da Temporada Darcos, dizer o mais possível. Queremos dizer tudo sem usar uma palavra. Gritar a esperança em modo mudo.” Nuno Côrte-Real "A Temporada Darcos expressa-se num programa artístico que repousa num projecto cultural agregador, ancorado numa visão singular sobre o papel das artes e da cultura no pleno desenvolvimento sustentável das comunidades.Em 2022, num movimento assumidamente centrífugo de (re)encontro, a constelação de territórios tocados pela Temporada Darcos expande-se. O conceito de fronteiras é resignificado e, em lugar de constituírem barreiras, que acentuam a fragmentação e a insularidade, convertem-se em pontos de contacto. Sob a égide da aproximação, ligações virtuosas tecem uma rede policêntrica com instituições e colectivos de perfil, geografia e escala diversas, aprofundando a cidadania cultural. Sob o signo da cooperação, ensaia-se uma ecologia de práticas colaborativas que, incorporando conhecimento e competências, aportam inovação aos diversos actores institucionais envolvidos. Nascem, assim, co-produções entrecruzando aspirações, intenções e mutualizando recursos.A Temporada, na sua dimensão de processo, fecunda relações dialógicas entre diferentes referentes, códigos e universos estéticos. A desocultação do património artístico universal, onde avultam obras-primas da humanidade, é propiciadora do exaltante prazer da descoberta que se reforça no confronto com a criação nova.Na sua 15ª edição, a Temporada Darcos promove uma verdadeira celebração das artes e da cultura, transportando um imaginário sedutoramente feérico e um horizonte de utopia propulsor de futuros livres e de novos caminhos progressistas." Ana Umbelino, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Torres Vedras
Direção artística: Nuno Côrte-Real
Consultoria: Afonso Miranda
Gestão artística: Vanessa Pires
Textos: José Bruto da Costa
Produção executiva: Raquel Fonseca
Assistente de produção: Ricardo Ventura
Coordenação de projetos: Manuel Lima
Relações públicas e assessoria de imprensa: Débora Pereira
Contabilidade: Luís Silvestre
Imagem gráfica: Olga Moreira (a partir de fotografias de Jorge Carmona)
Comunicação e imagem: Câmara Municipal de Torres Vedras
Fonte: https://www.cm-tvedras.pt/agenda/detalhes/127089